A SEXUALIDADE NA CLEPTOMANIA
Todo o desejo, ao ser reprimido, se vê recalcado no inconsciente a ponto de não mais poder ser identificado pelo consciente. Esse desejo não satisfeito se manifsta por tenções intoleráveis enquanto não forem expandidas em forma de satisfação. O cleptomaniaco vive um permanente conflito entre o seu consciente e o inconsciente. O consciente manifesta sua ação de resistência, que pode ser de ordem moral, gerado pelo superego que a educação organizou em seu íntimo. O ego consciente se opõe a manifestações cujas conseqüências ele teme.
A pressão do desejo pode procurar satisfazer-se por outras vias. Para o inconsciente, atos simbólicos possuem tanto valor quanto uma satisfação real e, particularmente a posse de um objeto carregado de um potencial afetivo, tomado de empréstimo ao objeto real do verdadeiro desejo reprimido.
A diferença anatômica entre os sexos, centrada na existência ou ausência do pênis, independente de todo o seu papel erótico ou genital, parece conferir poderes mágicos ao seu detentor. Fisicamente os meninos são mais fortes que as meninas; não engravidam; gozam de maior liberdade e quando adultos serão a maior autoridade da família. Além disso o pai desvia em proveito próprio o amor da mãe, que a criança desejaria monopolizar. Diante disso, ela imagina o falo como sendo o símbolo do poder concretizado no pênis.
A partir daí, nascem poderosos fantasma, cuja sorte será jogada através da fase "edipiana", tão determinante para a construção da imagem de si mesmo e da relação com outrem. É nessa fase que a criança, menino ou menina, vai tentar interferir no amor conjugal dos pais para derivá-lo para si, mesmo sentindo a culpabilidade pelo desejo de amor que ela cobiça.
A menina que sofreu, sentindo-se injustiçada por ser privada do pênis precisa descobrir o poder de seus encantos específicos, da possibilidade de conquistá-lo na realização sexual e, finalmente de acender à maternidade. Se isto não bastar para preencher seu sentimento inicial de carência, permanecerá obsecada pela primitiva inveja do pênis. Esses desejos serão tanto mais fortemente recalcados quando organizados em torno da imagem paterna. Esse complexo repercutirá de diversas maneiras sobre o destino sexual da mulher que por ele foi atingida. Profundamente impressionada pela obsessão secreta de uma falta essensial e torturada pelo desejo de se apoderar do que o outro tem e ela não tem, a cleptômana sentir-se-á irresistivelmente impelida a furtar para satisfazer essa necessidade imperiosa, que ela não mais compreende.
A ligação erótica subjacente entre o furto e a realização sexual, por vezes, aflorará à consciência. Para algumas a compulsão, o ato de roubar e sua seqüência são conscientemente percebidos como erotizados. Aqui é o próprio ato de tirar algo de alguém que produz a satisfação. Mas a cleptomania pode se organizar também em torno de objetos que simbolizam, com maior ou menor evidência, aquilo que aparentemente lhe tiraram. Na base de tudo está o desejo de roubar aquilo que ela imagina que seu pai recusou dar-lhe na infância. Geralmente são objetos viris como armas de fogo, bengalas, canivetes, ou objetos que o pai dava à sua mãe como lingerie, vestidos elegantes, bolsas e jóias valiosas que se acrescentavam ostensivamente a seu corpo. Muitas só conseguem se sentir satisfeitas furtando em lojas vigiadas por fiscais masculinos. Ela se sente triunfante em furtar os objetos diante dos vigias que ali estão para impedí-la.
Uma pergunta que frequentemente se houve é por que furtar, quando se poderia, por exemplo, comprar? É que essa satisfação "legítima" não basta para a mulher obsecada por uma carência injustificada. Comprar é dar dinheiro em troca, enquanto que a reivindicação implica tomar aquilo que a frustrou e tirá-lo àquele que o açambarca de maneira abusiva. Só o furto, com seu duplo caráter de "agressão" e "transgressão", pode apaziguar sua insatisfação fundamental. Náo é, pois, supreendente constatar que os cleptomaníacos tenham meios para comprar aquilo que furtam com riscos e perigos. Esses objetos, quase sempre, apresentam um valor aparentemente irrisório. Outro fator interessante a se observar é que as crises de cleptomania coincidem frequentemente com as regras menstruais que a cada mes trás à toma a prova intolerável da não -virilidade. Os bens pessoais da cleptômana, como móveis outros objetos, costumam estar intimante ligados à esfera sexual, tanto que a excitação que acompanha suas manifestações pode ser considerada um substituto do prazer erótico que desencadeia em seu autor uma reação quase orgástica.
O termo cleptomania reserva-se aos furtos compulsivos, cujas ressonâncias sexuais estão tão profundamente recalcadas que não se deixam transparecer. Nessas condições, a cleptomania seria uma afecção exclusivamente feminina. Está é a opinião da maioria dos estudiosos. Entretanto, muitos casos de furtos obsessionais, com caráter compulsivo e forte componente erótico, foram observados em homens, mas são raros e o diagnóstico de cleptomania é muito discutível.
Nicéas Romeo Zanchett
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