A REPRESSÃO SEXUAL DA IGREJA
Desde os primeiros anos do cristianismo ocidental, a mulher constitui, para o homem cristão, um obstáculo no caminho da santidade. Essa visão predadora não nos foi dada por Cristo; foi proposta por São Paulo, que pregava a nova religião numa sociedade de costumes particularmente corrompidos. No cristianismo, criado por Paulo de Tarso (ou Saulo de Tarso), o corpo humano é execrável e execrado, pois é a causa e atração que leva ao pecado. Mas, por outro lado, a própria religião cristã diz tratar-se do templo que abriga a alma, nossa parte divina.
Historicamente a Igreja Católica Romana sempre desprezou o sexo e particularmente as mulheres. Santo Agostinho, o mais célebre do Padres da Igreja, numa perspectiva sobrenatural, os considerava incompatíveis com Deus e a Natureza. Essa atitude, profundamente arraigada, torna difícil a adaptação da Igreja à nova sociedade que, após ter reabilitado a sexualidade, a liberta e exalta.
A aspiração a uma revisão dos valores, a uma reabilitação dos princípios de prazer surgiu num Ocidente próspero. Foi engendrada pela própria prosperidade. Entretanto, esse tema, tanto nas pesquisas como nas discussões, ainda é tratado com superficialidade por grande número de pais, professores e responsáveis pela nossa sociedade.
Duas idéias governam os textos bíblicos que tratam da sexualidade: a primeira é que o sexo é um mistério que é preciso cercar de respeito; a segunda é que o casamento é a forma desejada por Deus para as relações sexuais. Entretanto, os judeus das origens aceitavam que os prazeres da vida fossem vividos plenamente. No Antigo Testamento não existe nenhuma proibição às relações sexuais antes do casamento, como também, nenhum trecho da Bíblia rebaixa a mulher para exaltar o homem. Foi apenas depois do exílio que o povo judeu desenvolveu a ideia de que os prazeres, particularmente o prazer sexual, deveriam ser condenados.
A Igreja considera o corpo, especialmente da mulher, como instrumento privilegiado da tentação. A incessante exaltação do celibato por São Paulo, revela seus profundos problemas psicológicos em relação à sexualidade. Alguns religiosos, apaixonados por psicanálises, acreditam tratar-se de uma homossexualidade latente reprimida. São Paulo marca o ponto de transição entre a atitude sadia e positiva para o corpo, que caracterizava o Antigo Testamento e o próprio Jesus, e a atitude dualista e negativa que não parou de se expandir no Ocidente. Ele aconselhava os homens cristãos a seguirem seu exemplo e não se ligarem a nenhuma mulher.
A moral cristã foi, aos poucos, se edificando em volta da convicção de que a sexualidade devia ser evitada como o"mal essencial", à exceção do mínimo que considerava necessário para manter viva a raça humana. Dessa forma, a prática sexual passou a ser desculpável apenas para a procriação. Declarando que o ato sexual em si não era condenável e que condenável era apenas o prazer que dele tiravam os indivíduos, a Igreja de Paulo considerava que tinha encontrado o ponto de equilíbrio.
Os moralistas escolásticos editaram um código que regulamenta a vida sexual nos menores detalhes. Dele, em nenhum momento o pecado é totalmente excluído, pois que a paixão necessária para desencadear o ato criador constitui um pecado, mas a gradação desse pecado atinge o extremo. Para homens e mulheres casados criou-se uma espécie de camisa que permite conceber com um contato reduzindo ao máximo o contato entre os corpos. Entretanto, as poluções noturnas involuntárias são classificadas como pecados. Fazer amor em sonhos, durante o sono, ainda é considerado um grave pecado que deve ser declarado no confessionário. Dessa forma, os princípios do prazer, que é o responsável pela atração entre os sexos, ficaram fortemente reprimidos. As energias assim poupadas incitaram o homem a ordenar o mundo segundo seu pensamento e a dominá-lo através de sua ação, fazendo da mulher sua escrava sexual.
Como uma válvula de escape, o cristianismo definiu um ideal acessível ao grande número fiéis, mantendo os pecadores em seu seio, concedendo-lhes todas as facilidades de absolvição. Segundo a moral da Igreja Católica, é o padre que abre aos fiéis a "porta do céu". Seja pelo batismo, seja pela absolvição em confissão, seja pela comunhão, pela missa, pela extrema-unção, (conferida mesmo ao pecador inconsciente). Pode o católico ser o maior pecador perante o Evangélio e à sociedade, e ao mesmo tempo ser ótimo membro da sua Igreja; sua conduta moral é neutralizada pelos atos rituais, sob a orientação e garantia do clero. A sua autonomia espiritual é facilmente substituída pela heteronomia moral do padre. É na sombra dos confessionários que os padres escutam as consciências e, como policiais, interrogam aquilo que consideram pecados da carne.
Ora, essa infeliz mentalidade, visceralmente anti-cristã, destrói no homem o senso de responsabilidade e abre as portas ao descalabro social, ao crime e iniquidade. Dessa forma, vai a moral do clero criando um perigosíssimo "círculo vicioso" moral (ou imoral): pecado-confissão x pecado-confissão, sem nenhum esforço sincero ascensional da parte do pecador crônico.
Num "clima espiritual", a Igreja não hesita em reinterpretar os mitos bíblicos em função de sua atitude anti-sexual. Eva foi a pecadora que tentou Adão. Mas aos poucos essa explicação foi substituída por causa erótica. Em nossos dias, no espírito de todas as crianças ocidentais que frequentam o catecismo, a maçã que a primeira mulher e o primeiro homem comem juntos é a maçã do amor. Esse mito só fez reforçar a misoginia cristã. Eva, é vista de forma desprezível e até odiosa por ser a sedutora. Ela foi a tentadora e permanece sendo a embaixadora do demônio que leva o homem a pecar.
Seria ilusão acreditar que os problemas evocados hoje em dia no seio da Igreja foram descobertos recentemente. O problema do celibato dos padres, do controle de natalidade, das relações sexuais antes do casamento, da sexualidade fora do casamento foram todos colocados antes dos anos 40. Também a separação entre a Igreja e a Ciência causou um grande abalo na autoridade religiosa e na disciplina por ela imposta.
Graças a alguns intelectuais católicos a atitude secular a respeito da sexualidade evoluiu. O ato que antes só tinha por objetivo a criação foi, aos poucos, dotado de um valor humano enriquecedor. Se o amor físico é dotado de valor quase espiritual, os padres são levados a interrogar-se sobre as relações de seu próprio estado com a sexualidade. O movimento de revolta contra o celibato clerical é de ordem filosófica e não apenas sociológica. Essa mudança nasceu da compreensão da realidade física que cada ser tem em seus instintos naturais que são os grandes construtores da humanidade.
Nicéas Romeo Zanchett